fonte: carta capital
27.02.2012 14:29
27.02.2012 14:29
Vistos de longe são uma multidão sem rosto. Escondidos sob capacetes e jaquetas escuras, eles lotam os menores espaços entre os carros e saem costurando o trânsito com pressa. Alguns não fogem de uma briga e não demonstram o menor remorso ao arrancar retrovisores no trânsito apertado de São Paulo. Pertencem a uma categoria de trabalhadores que vivem sempre sob pressão, aparecem nas estatísticas com dois mortos por dia e estão entre os que mais sofrem com a poluição do ar. Talvez por isso muitos se autodenominem: “vida louca”. São os motoboys, que no Brasil já somam 1 milhão de profissionais.
O serviço, que é combustível para esse mercado gigantesco que movimenta só em São Paulo cerca de 1 bilhão de reais por ano, são as entregas, desde pizza até produtos vendidos na internet. Pensando nisso, dois jovens empresários de 30 anos resolveram testar um novo modelo de negócio e trocaram a moto por bicicletas. “Queríamos ter um produto no qual quanto mais vendêssemos, mais estivéssemos contribuindo para o meio ambiente. Diferente de apenas compensar emissões do tipo ‘compre uma tevê e nós plantamos uma árvore pra você’”, diz Rafael Mambretti, sócio fundador da Carbono Zero Courier.
A empresa surgiu em 2010 e tem hoje 23 entregadores que prestam serviço em toda grande São Paulo. “Já fizemos entrega até no aeroporto de Guarulhos”, diz Mambretti. A valor do frete é cerca de 30% mais barato do que o cobrado pelas empresas de motoboy e, em alguns casos, mais rápido. “Temos uma vantagem competitiva que é o fato de podermos descer da bike e andar na calçada atravessando uma rua na contramão, ou utilizar caminhos alternativos cortando parques. A bicicleta te dá uma grande mobilidade, o que ajuda muito na hora de traçar a rota”.
Fazer entregas de bicicleta é algo tão antigo quanto o próprio veículo, que começou a ser produzido em série em 1875 na França. Mas o fato é que, até pouco tempo atrás, contrapor motos com bicicletas como alternativa viável no trânsito de São Paulo era algo impensável. Hoje, essa já é uma tendência em capitais como Nova York, Paris e Londres. Na capital paulista, como o crescimento desse novo mercado, temos a chance de mitigar os problemas de um setor extremamente problemático e poluidor da sociedade.
O mercado de moto-entrega surgiu nos anos 80 e se expandiu com a onda de terceirização de serviços. Em São Paulo cresceu exponencialmente na década passada, sem planejamento, com muita desordem e com representatividade confusa – atualmente dois sindicatos disputam a legitimidade da categoria: o Sindicato dos Trabalhadores Motociclistas de São Paulo e o Sindicato dos Mensageiros Motociclistas do Estado de São Paulo. Ao todo, são mais de 200 mil motos registradas apenas nessa última entidade.
Além do perigo, o trabalho de motoboy contribui com o caos no trânsito e com a poluição atmosférica. Dados do Proconve (Programa de Controle da Poluição do Ar por Veículos Automotores), braço do Ibama, mostram que mesmo em números absolutos uma moto gera mais poluição do que um carro ou um ônibus. Esse número dispara se considerados os dados por pessoa no trânsito, pois uma moto transporta no máximo duas pessoas. Junte-se a isso as mortes e acidentes no trânsito.
Todas as empresas de bike courier de São Paulo convivem com uma enorme demanda de serviço e um baixíssimo investimento em marketing e divulgação. “Trabalhamos muito para que isso não aconteça, mas já ocorreram casos em que tivemos que negar um pedido por falta de tempo e entregadores”, diz Mambretti.
Apesar de estar em constante processo de contratação, a empresa procura um perfil adequado ao negócio. “Para trabalhar com a gente precisa ser cicloativista, gostar realmente de bicicleta e ter um estilo de vida compatível”, revela o empresário. Todos os entregadores da empresa são registrados, possuem seguro de vida e contra acidentes, além de ganhar uma ajuda de custo mensal para a manutenção do veículo.
São quatro empresas de entregas que prestam um serviço alternativo aos mais de 200 mil motoboys da cidade. A tendência é que com o sucesso e adesão a esse novo (e ao mesmo tempo antigo) modelo de negócio, novas empresas surjam no mercado. Uma delas é a Giro Courier, que está há menos de seis meses no mercado e ostenta uma agenda de entregas de dar inveja a qualquer empresa tradicional de motofrete. Com clientes como Greenpeace, Odebrecht, Heineken e diversas agências de publicidade, a Giro Courier tem três entregadores fixos e uma rede de freelancers. Segundo Paulo Zapello, proprietário da empresa, também existe a mesma preocupação com o perfil do trabalhador. “Preferimos contratar esportistas e amantes da bicicleta. Isso traz mais segurança e comprometimento”.
Tanto Zapella quanto Mambretti são otimistas. Acham que em breve a hegemonia nas entregas de São Paulo será das bicicletas. “Isso seria excelente, mas nesse processo será muito importante a educação e comportamento dos ciclistas”, diz Maria da Penha Pereira Nobre, coordenadora da divisão de trânsito do Instituto de Tecnologia (IE). Segundo Maria da Penha, os novos entregadores precisarão adotar uma postura não agressiva e defensiva, ou do contrário poderão, além de sofrer acidentes, conquistar a mesma antipatia que parte dos motoboys têm hoje.
Mas a especialista em trânsito admite que a crescente demanda por entregas a bike pode mexer na estrutura da cidade. “Hoje São Paulo não conta com ciclofaixas durante a semana. Com a crescente demanda dentro do mercado de trabalho o poder público será obrigado a repensar o espaço para ciclistas dentro do trânsito”.
Caso a tendência realmente se acentue e a cidade presencie um boom, como ocorreu com os motoboys há 20 anos, o mercado de entregas terá um papel muito importante na reestruturação e sustentabilidade do trânsito em São Paulo. “Muita gente até gostaria, mas não tem coragem de trocar o carro por uma bicicleta. Nesse caso, ela pode optar e incentivar quem tem coragem, isso não deixa de ser uma forma de contribui também”, acredita Mambretti.
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